segunda-feira, 6 de julho de 2009

Nove Anjos

Fazia tempo que não comparecia àquele lugar sagrado. Amarrou os cadarços prateados de seus tênis e correu para juntar suas coisas. Saíra de casa um pouco atrasada, como sempre – não por desinteresse, mas por descuido. Tão logo entrara no carro, sua mãe – e motorista – pisou no acelerador, acelerando, junto com o motor, seu coração.
Fazia tempo que não tomava aquele mesmo caminho de todo sagrado domingo – que já é um dia sagrado por si só, e tornava-se ainda mais, naquela circunstância particular dela. Era uma praxe que nunca deveria ser quebrada, nunca desrespeitada, nunca desobedecida... Mas havia sido. E agora, ela sabia que tudo voltaria ao seu devido lugar.
Fazia tempo que não fazia soar o sino, avisando aos companheiros presentes que já estava à porta do prédio em que se encontravam. Sem demora, um deles apareceu, distante, numa janela lá em cima, para lhe jogar a chave do portão principal, que chegava às suas mãos – como de praxe – atada a um cordão.
Fazia tempo que não subia aquela escadaria sagrada, cujo topo era sempre esperado e alcançado com o esforço de uma corrida por algumas centenas de degraus. E sempre valia a pena – mesmo com alguns tropeções ocasionais causados pelo afobamento. “Todos já devem ter chegado, a essa hora...”, pensava, enquanto galgava os últimos lances de escada.
Chegou, finalmente, à última porta para qual a escadaria conduzia, no nível mais alto de todos. Um resquício de luz muito clara, vinda de dentro, fugia pela fresta entre a porta e o chão, e sentia-se o calor irradiado pela sala através dela. Tocou novamente o sino, avisando que já estava ali, à espera.
A porta se abriu, fazendo com que a luz da sala explodisse para fora. Surgiu, à sua frente, uma figura loura de asas brancas, que esboçava um sorriso habitual. A que acabara de chegar retribuiu o sorriso, ainda arfando pela corrida, e entrou.
Na sala, quatro outras figuras aladas a esperavam. Enquanto um tangia as cordas de um violão outro o acompanhava ao piano, enquanto os outros dois escutavam, uma deles de um canto mais distante da sala. Todos irradiavam suas luzes brancas e seus pacíficos sorrisos luminosos, cada qual com sua forma diferente, mas iguais em sua aura.
Então, ela vestiu suas próprias asas e juntou-se a eles. Conversavam alegremente, até que mais dois de seus companheiros tocaram o sino à porta – agora chegaram todos. Apenas um deles, já se sabia, não viria por motivos de força maior – embora fosse difícil imaginar uma força maior do que aquela que os unia naquele lugar.
Logo, após a mesma que atendeu a porta ter terminado de prepará-los, um deles ocupou seu posto diante dos demais, e começou a regê-los. Entrava em cena o coro de anjos. Uma vibração tomou conta de toda a sala, as melodias de cada uma de suas vozes voavam e se entrelaçavam formando espirais pelo ar, e aquele som era uma das coisas mais doces que alguém poderia ouvir. Foi então que ela teve a certeza de que, mesmo estando a quilômetros de distância de onde morava – naquela sala, em cada um de seus detalhes, naquela atmosfera preenchida por sons e rostos – ela se sentia em casa.






Esse texto foi escrito em homenagem a meus queridos amigos e colegas de coro do - ainda não famoso - "Oito a capella" (são "Nove Anjos" porque contei com o regente, notem xD).

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pra que servem as pessoas/ Pra não dizer que não falei das flores

Oi, leitor! Aqui envio dois pequenos textos, ambos tiveram sua inspiração trazida por uma pessoa muito importante pra mim. Desculpem o desaparecimento temporário, e boa leitura!



Pra que servem as pessoas?


A grande verdade – a verdade pra mim, que fique bem claro – é que as pessoas não servem pra nada. Elas não servem pra nada porque não foram criadas com um propósito definido. A faca foi criada pra cortar; o lápis, pra escrever; o carro pra transportar, e assim por diante. Mas uma pessoa, foi criada pra que? Para servir a quem ou o que, e de que forma? É uma pergunta que filósofos através dos tempos tentaram responder. E aqui estou eu, assumindo esse posto agora.

As pessoas foram criadas pra viver, sonhar, amar, odiar, querer, e também criar. E elas não servem a ninguém para nada. Simplesmente porque não têm que servir. Sabe por quê?
Porque elas são especiais demais pra tal coisa.






Pra não dizer que não falei das flores


Hoje eu recebi flores. Foi inesperado, e feliz. Elas são margaridas cor de pêssego, provavelmente tingidas, quatro num mesmo ramo. Estão enfeitando meu quarto agora, num copo grande e comprido com motivos dourados – um recipiente à altura de seu conteúdo, eu diria. E isso me fez pensar sobre uma coisa: elas vão murchar daqui a pouco tempo. Vão se extinguir, e eu não vou mais tê-las colorindo meu quarto e me fazendo lembrar de quem me deu elas. Aqui cabe uma metonímia. A parte (as flores) pelo todo (o que me liga à pessoa que me deu as flores). Elas vão murchar, e isso é um fato. Mas enquanto estiverem viçosas e coloridas, e enquanto o seu aroma doce ainda não tiver se esvaído, eu vou admirá-las com todo o carinho. Quando murcharem, será apenas mais uma prova de que não eram feitas de plástico – nasceram, floresceram, e eram de verdade.