Fazia tempo que não tomava aquele mesmo caminho de todo sagrado domingo – que já é um dia sagrado por si só, e tornava-se ainda mais, naquela circunstância particular dela. Era uma praxe que nunca deveria ser quebrada, nunca desrespeitada, nunca desobedecida... Mas havia sido. E agora, ela sabia que tudo voltaria ao seu devido lugar.
Fazia tempo que não fazia soar o sino, avisando aos companheiros presentes que já estava à porta do prédio em que se encontravam. Sem demora, um deles apareceu, distante, numa janela lá em cima, para lhe jogar a chave do portão principal, que chegava às suas mãos – como de praxe – atada a um cordão.
Fazia tempo que não subia aquela escadaria sagrada, cujo topo era sempre esperado e alcançado com o esforço de uma corrida por algumas centenas de degraus. E sempre valia a pena – mesmo com alguns tropeções ocasionais causados pelo afobamento. “Todos já devem ter chegado, a essa hora...”, pensava, enquanto galgava os últimos lances de escada.
Chegou, finalmente, à última porta para qual a escadaria conduzia, no nível mais alto de todos. Um resquício de luz muito clara, vinda de dentro, fugia pela fresta entre a porta e o chão, e sentia-se o calor irradiado pela sala através dela. Tocou novamente o sino, avisando que já estava ali, à espera.
A porta se abriu, fazendo com que a luz da sala explodisse para fora. Surgiu, à sua frente, uma figura loura de asas brancas, que esboçava um sorriso habitual. A que acabara de chegar retribuiu o sorriso, ainda arfando pela corrida, e entrou.
Na sala, quatro outras figuras aladas a esperavam. Enquanto um tangia as cordas de um violão outro o acompanhava ao piano, enquanto os outros dois escutavam, uma deles de um canto mais distante da sala. Todos irradiavam suas luzes brancas e seus pacíficos sorrisos luminosos, cada qual com sua forma diferente, mas iguais em sua aura.
Então, ela vestiu suas próprias asas e juntou-se a eles. Conversavam alegremente, até que mais dois de seus companheiros tocaram o sino à porta – agora chegaram todos. Apenas um deles, já se sabia, não viria por motivos de força maior – embora fosse difícil imaginar uma força maior do que aquela que os unia naquele lugar.
Logo, após a mesma que atendeu a porta ter terminado de prepará-los, um deles ocupou seu posto diante dos demais, e começou a regê-los. Entrava em cena o coro de anjos. Uma vibração tomou conta de toda a sala, as melodias de cada uma de suas vozes voavam e se entrelaçavam formando espirais pelo ar, e aquele som era uma das coisas mais doces que alguém poderia ouvir. Foi então que ela teve a certeza de que, mesmo estando a quilômetros de distância de onde morava – naquela sala, em cada um de seus detalhes, naquela atmosfera preenchida por sons e rostos – ela se sentia em casa.
Esse texto foi escrito em homenagem a meus queridos amigos e colegas de coro do - ainda não famoso - "Oito a capella" (são "Nove Anjos" porque contei com o regente, notem xD).